Friday 1 May 2009

Tens medo? Tens medo de quê? Tens medo de quem? Isso assusta-te? Isto dói? Isto dói? Já não sei que fiz à praia que me rodeava. Eu sei que estava na praia, porque a areia acabava mesmo ali, depois há o mar. Ou havia. Agora nem areia nem mar. Nem praia e céu, ora onde estás tu, costumas estar quase em todo o lado, umas vezes branco, outras azul, à noite não és muito imaginativo e vais sempre pelo preto, às vezes és amarelo e outras vermelho, já te vi lilás, aliás. 

Mas isto dói ou não? Ou foi a praia que fugiu, ou eu esqueci-me de que ela existia. A areia só incomoda as crianças. Eu lembro-me que tinha uma mesa de pedra, logo no hall de entrada, ao fundo de um comprido corredor que dava para os quartos. Gostava muito de correr ao longo deste, corria a fugir do escuro, que nunca me dei bem com ele, isto dói-te?, um dia doeu, tropecei e fui contra a mesa, resultado; uma mancha de sangue no chão e uma dor de cabeça do diabo. A minha mãe preocupou-se, e o cão foi lá cheirar, que cheiro é este que não conheço, que será que é isto? Interrogação interrogava ele, isto dói?, fui uma criança feliz. Fui, sim senhores.

Que a praia não fugiu, não fugiu, que praias não fogem. A areia que tocava na minha mão, a minha mão que tocava na areia, não sentia a areia e não pensava na mão, ou não sentia a mão e não pensava na areia, porque sem sentir a mão não se pensa que se sente coisa alguma; já o cheio da maré tinha sido substituido pelo odor córporeo, já não sabia da areia, do céu, do mar, dói?, da praia, das mãos, e dos braços também, causam sempre embaraço nas alturas mais delicadas, o que é que um actor faz a um braço? Ou bem que o seu papel sugere uma utilização prática, como segurar uma bandeja, ou então o braço é um anexo desnecessário, pomos a mão no bolso, atrás das costas, a coçar a cabeça, o melhor é mesmo esquecê-la, como eu. 

Mas há alguém que não saiba que o búzio é o som do mar? Isso aprende-se, depois acredita-se, depois desacredita-se e cai no esquecimento. Ora não é um disparate? Deitar assim uma verdade fora por dá cá aquela palha? Há alguém que acredite que é o som do mar? Isto, isto dói? A abstracção consegue tomar proporções tão grandes que deixam de ser concretas. Deixar o concreto e cair no breu, está certo, não há futuro, está difícil e para todos, isto dói-te?, mas isso não inviabiliza o gosto pelo que não é material. Já não consigo alinhavar os conceitos, a coisa privada, que é só minha, e a dele, que é só dele, passa a coisa pública, a Coisa Pública, a abstracção deixa de fazer sentido por ser um conceito concreto de caracter abstratizante, é uma palavra com letras, logo é concreto, e deixa-se o concreto e passa-se totalmente ao êxtase, tens medo de quê?, estás assustada?, não há quem não esteja.

Já te perguntei mil vezes, isto dói?

Sim.

Pois é mesmo para doer.

2 comments:

  1. (quando gosto muito de uma coisa costumo dizer pouca coisa...) ahm uau

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